Reflexões de
Fernando Pessoa
Emoção e Poesia
Quem quer que seja
de algum modo um
poeta sabe muito bem
quão mais fácil é
escrever um bom
poema (se os bons
poemas se acham ao
alcance do homem) a
respeito de uma
mulher que lhe
interessa muito do
que a respeito de
uma mulher pela qual
está profundamente
apaixonado. A melhor
espécie de poema de
amor é, em geral,
escrita a respeito
de uma mulher
abstrata.
Uma grande emoção é
por demais egoísta;
absorve em si
própria todo o
sangue do espírito,
e a congestão deixa
as mãos demasiado
frias para escrever.
Três espécies de
emoções produzem
grande poesia -
emoções fortes e
profundas ao serem
lembradas muito
tempo depois; e
emoções falsas, isto
é, emoções sentidas
no intelecto. Não a
insinceridade, mas
sim, uma sinceridade
traduzida, é a base
de toda a arte.
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Prece
Senhor, que és o céu
e a terra, que és a
vida e a morte! O
sol és tu e a lua és
tu e o vento és tu!
Tu és os nossos
corpos e as nossas
almas e o nosso amor
és tu também. Onde
nada está tu habitas
e onde tudo está -
(o teu templo) - eis
o teu corpo.
Dá-me alma para te
servir e alma para
te amar. Dá-me vista
para te ver sempre
no céu e na terra,
ouvidos para te
ouvir no vento e no
mar, e mãos para
trabalhar em teu
nome.
Torna-me puro como a
água e alto como o
céu. Que não haja
lama nas estradas
dos meus pensamentos
nem folhas mortas
nas lagoas dos meus
propósitos. Faze com
que eu saiba amar os
outros como irmãos e
servir-te como a um
pai.
[...]
Minha vida seja
digna da tua
presença. Meu corpo
seja digno da terra,
tua cama. Minha alma
possa aparecer
diante de ti como um
filho que volta ao
lar. Torna-me grande
como o Sol, para que
eu te possa adorar
em mim; e torna-me
puro como a lua,
para que eu te possa
rezar em mim; e
torna-me claro como
o dia para que eu te
possa ver sempre em
mim e rezar-te e
adorar-te. Senhor,
protege-me e
ampara-me. Dá-me que
eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de
mim.
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