Era uma vez, lá na Judeia, um
rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram
pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.
Mas, por acaso ou milagre,
aconteceu
Que, num burrinho pela areia
fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um
pequenito
Que o vivo sol da vida
acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de
alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das
tranças,
Só porque ele não gostava de
crianças.
Miguel Torga