Lembra!”
diz-me o passado.
“Lembra!” diz-me o passado. “Eu sou a
aurora
E a primavera, o olhar que se enamora
De quanto vê pelo caminho em flor;
Para o teu coração cansado e triste
É recordar-me — o único bem que existe...
Eu sou a mocidade, eu sou o amor.”
“Vive!” diz-me o presente. “Alma suicida,
Louca, não peças à árvore da vida
Mais que os amargos frutos que ela tem;
Deixa a saudade e foge da esperança,
Faze do pouco que teu braço alcança
O teu mesquinho, o teu único bem.”
“Sonha!” diz-me o futuro: “O sonho é tudo,
Eu sobre as tuas pálpebras sacudo
A poeira da ilusão! ... sonha e bendiz!
Eu sou o único bem porque te engano,
E o desgraçado coração humano
Só com o que não possui é que é feliz.”
Eu ouço os três, e calo-me: desisto
De quanto me prometem, porque nisto
Todos se enganam, todos, menos eu:
Beijo dos lábios da mulher amada,
O único bem és tu! Não há mais nada...
E tu és de outro, e nunca serás meu!
Vicente de Carvalho
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Poemas de Vicente de
Carvalho
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Menina e Moça
Tu,
que és quase uma criança
E que enlevada sorris
À tentadora esperança
De ser amada, e feliz:
Sê formosa; entre as
formosas
Reina e brilha, se puderes:
Que a beleza nas mulheres
É como o viço nas rosas.
Sendo bonita e mais nada
Cumpre a mulher com fulgor
Sobre a terra iluminada
O seu destino de flor.
Sê bondosa; entre as
melhores
Sê a melhor, se puderes:
Que a bondade nas mulheres
É como o aroma nas flores.
Meiga, formosa, querida,
Ama e sê amada: o amor
Na areia solta da vida
Brota roseiras em flor.
Serás feliz? Ai, não queiras
Ser feliz: às mais ditosas
Brotam mágoas entre as rosas
Como espinhos nas
roseiras...
Tu, que és quase uma criança
E acreditas quanto diz
A enganadora esperança
De ser amada e feliz,
Sê resignada: a roseira
Que mais viça e mais
prospera
Dá rosas na primavera
E espinhos a vida inteira...
Vicente de Carvalho
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